segunda-feira, 27 de julho de 2009

Trabalhar pela não-violência é dever de todos, diz psicóloga


A cada 15 minutos um ato de violência contra criança é denunciado no Disque 100, serviço telefônico mantido pelo Governo Federal. Só no primeiro semestre de 2009 foram 17.124 denúncias, o que equivale a 95 relatos de maus-tratos por dia. Muitas vezes, quando a denúncia é feita, a criança apresenta hematomas, braços e costelas quebradas, sinais de que vem apanhando há mais tempo.
Nesse sentido a sociedade permanece omissa, como se o filho do outro não fosse também filho de todos. É essa visão de coletividade que precisamos fortalecer para construirmos juntos uma cultura de não-violência. Nas escolas, nos parques e nas esquinas da vida sempre podemos ser guardiões dos direitos infanto-juvenis preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Confira as dicas para reconhecermos os sinais mais comuns de violência infantil nesta entrevista concedida ao Portal Pró-Menino pela psicóloga Anna Christina Cardoso de Mello*, autora dos três volumes do Kit Respeitar, produzido pela Fundação Orsa.

Como o professor pode ser orientado para lidar com uma criança que sofre de violência?
O professor sempre deve estar atento às crianças de um modo geral, na classe, no recreio, em passeios. Quaisquer mudanças de comportamento ou postura na criança é certamente indício de algo que ela vem vivenciando, que pode ser bom ou ruim. No caso da violência,os sinais mais comuns são:
• aspecto negligenciado, desnutrido, abatido;
• muito cansaço, sonolência, desmotivação;
• uso de roupas não adequadas ao clima;
• vacinas atrasadas;
• doenças freqüentes;
• atraso no desenvolvimento motor e afetivo;
• marcas e machucados, como arranhões, hematomas, alopecia (queda de cabelo ou partes do couro cabeludo sem ou com pouco cabelo), fraturas freqüentes;
• expressão contínua de tristeza, preocupação, apreensão, medo, angústia,
desconfiança, estado de alerta extremo com relação ao ambiente;
• choro freqüente;
• mente indisponível para a aprendizagem, pois a criança parece estar ocupada com preocupações que normalmente não deveria ter;
• dispersão, falta de concentração;
• excessiva agressividade, hiperatividade, impulsividade, por um lado, ou muita inibição, retraimento, apatia, por outro, ou alternância dessas atitudes, com mudanças bruscas;
• enurese ou encoprese diurna e/ou noturna, após sete anos de idade e sem problemas aparentes;
• distúrbios alimentares como anorexia, bulimia, obesidade;
• preocupações e comportamentos sexuais (exibicionismo, erotismo
ou inibição em demasia) impróprios para a idade e etapa de desenvolvimento;
• doenças sexualmente transmissíveis (HPV, sífilis, aids etc.);
• ataque ou abuso sexual de outras crianças;
• crueldade com animais;
• fugas, tentativas de suicídio, uso e/ou abuso de álcool, drogas;
• promiscuidade ou atitude de se prostituir;
• atos anti-sociais, como vandalismo, roubo, entre outros;
• situação de fracasso escolar.
Tais sinais não podem ser vistos isoladamente, mas inseridos em um contexto. Assim, o professor que souber que uma criança sofreu ou sofre violência, ou suspeitar disso, deve notificar o caso às autoridades competentes que são os Conselhos Tutelares e as Varas da Infância e da Juventude.
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art.5° – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art.13 – Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente
serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade,
sem prejuízo de outras providências legais.
Art.220 – Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do
Ministério Público, prestando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto de ação civil,
e indicando-lhe os elementos de convicção.
Art.245 – Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde
e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

"A violência é uma covardia e faz com que a criança se sinta ainda menor do que é, mais impotente, desprotegida, desamparada"
A criança espera que seus pais a protejam dos males. Qualquer ser (humano ou animal) busca a proteção naqueles que o geraram e/ou cuidam dele. Isto é natural. Assim, a criança, quando sofre violência, se sente traída, perde a confiança nos outros e no mundo, pois percebe que a pessoa que deveria cuidar dela e protegê-la é aquela que está lhe fazendo mal. Isto pode produzir um dano psicológico profundo em sua capacidade de amar, confiar nas pessoas e de construir, produzir e contribuir para um mundo melhor. Além disso, ela pode entender que é válido usar a violência para se relacionar com os outros e assim perpetuá-la em comportamentos também violentos com os mais fracos que ela ou, então, contra si mesma.

Qual a compreensão que a criança pequena tem em relação ao ato violento cometido pelos pais?
A compreensão do ato violento varia conforme a idade da criança e suas experiências. Em geral, a criança, assim como qualquer pessoa, se ressente diante de atos violentos, sentindo-se humilhada, não amada, ferida física e psicologicamente. Sempre que cometido por uma pessoa maior que ela fisicamente, a violência é uma covardia e faz com que a criança se sinta ainda menor do que é, mais impotente, desprotegida, desamparada.
A criança espera que seus pais a protejam dos males. Qualquer ser (humano ou animal) busca a proteção naqueles que o geraram e/ou cuidam dele. Isto é natural. Assim, a criança, quando sofre violência, se sente traída, perde a confiança nos outros e no mundo, pois percebe que a pessoa que deveria cuidar dela e protegê-la é aquela que está lhe fazendo mal. Isto pode produzir um dano psicológico profundo em sua capacidade de amar, confiar nas pessoas e de construir, produzir e contribuir para um mundo melhor.
Além disso, ela pode entender que é válido usar a violência para se relacionar com os outros e assim perpetuá-la em comportamentos também violentos com os mais fracos que ela ou, então, contra si mesma.

O Governo Federal lançou a campanha contra a palmada em resposta à cultura de violência física presente nas famílias brasileiras. Além de campanhas, que outras ações são necessárias para a reversão desta prática?
É necessário que uma educação para a não-violência seja disciplina em escolas, desde a educação infantil até a universidade, ensinando-se estratégias de relacionamento e de resolução de conflitos sem o uso da violência. Também precisamos investir em escolas de pais como forma de ajudá-los a estruturar-se e saber lidar com situações-limite sem extrapolar, abusar da autoridade e da força física, uma educação que em todos os casos priorize o respeito ao outro e a si mesmo, o desenvolvimento da empatia e da capacidade de pedir ajuda quando necessário.

Qual a sua opinião sobre o Depoimento sem Dano? É possível?
Acredito sim na potencialidade do depoimento sem dano. Penso que é possível desde que feito por profissionais preparados e treinados na técnica. De preferência, para ser eficaz e realmente não causar danos à criança ou ao adolescente, deve ser feito com um menor intervalo de tempo possível do fato e gravado para reprodução em outros momentos, seja nos procedimentos da Justiça da Infância e Juventude, seja na instrução e julgamento criminais.

Que critérios foram considerados na pesquisa para a elaboração do conteúdo dos três livros do Kit Respeitar?
Abrangência, especificidade, atualidade. Informação clara, precisa e efetiva. Adaptação dos conteúdos aos vários públicos: crianças/adolescentes, familiares e profissionais.
"Precisamos investir em escolas de pais como forma de ajudá-los a estruturar-se"

A denúncia da violência sexual ainda esbarra em crenças, medos e preconceitos. Contudo, as pesquisas mostram que a maioria dos casos acontece no âmbito familiar. O que existe ou pode vir a existir em termos de política pública que possa amenizar essa situação?
Podemos e devemos trabalhar mais para a construção de uma cultura não-violenta e que seja contra a banalização da violência, contra a erotização da infância e a favor do respeito em todos os níveis de relações humanas.
Podemos divulgar mais e intensamente o número 100, Disque denúncia de violência, abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e outros números de denúncia, especialmente junto às comunidades e nas escolas. A divulgação deve estar inserida em um programa de informação na área de proteção, direitos e deveres de crianças, adolescentes e familiares.

*Anna Christina Cardoso de Mello é psicóloga e desde 1990 atua como psicóloga judiciária de Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. É professora e supervisora na Universidade Presbiteriana Mackenzie. É consultora da Fundação Orsa - Criança e Vida, na área de projetos de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, adoção, abandono e prevenção em rede. Autora dos livros O Jovem e seus Direitos e Kit Respeitar de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes.

Fonte: Pró-Menino
Foto: "Olhar Triste" - Cláudia F. Olhares.com

IMPORTANTE: A ABMP disponibiliza o download dos livros que compõe o Kit Respeitar

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