sábado, 24 de janeiro de 2009

DIABETES: A ESPERANÇA NO BISTURI


Uma cirurgia no intestino é a nova arma na luta contra a doença. A técnica ainda é experimental, mas seus resultados são impressionantes

Em sete anos, o diabetes arruinou a saúde da funcionária pública Legínia Miranda. Com o organismo combalido pela doença, ela estava ficando cega. Sua pressão arterial, sempre alta, atingia por vezes inacreditáveis 22 por 16 (o normal é 12 por 8). Legínia vivia abatida por um cansaço permanente e uma depressão profunda. A moléstia lhe impingia uma rotina penosa – comprimidos antidiabéticos, injeções de insulina, dieta austeríssima. Mesmo assim, sua glicemia não baixava. Girava em torno dos 300 miligramas de glicose por decilitro de sangue, mas freqüentemente chegava a 520 (o normal é 100, no máximo). Em 2005, aos 54 anos e prestes a se aposentar por invalidez, Legínia concordou em passar por um tratamento ainda experimental contra o diabetes tipo 2. Às 7 da manhã de 5 de novembro, ela deu entrada no centro cirúrgico do Hospital de Especialidades, em Goiânia. Nove horas depois, a doença já dava sinais de arrefecimento. Sem nenhum medicamento, sua glicemia baixou para 160 – um patamar jamais alcançado nos anos precedentes. Legínia experimentou uma melhora que, em outros tempos, seria chamada de milagrosa. Hoje, sua pressão está normal e a glicemia gira em torno dos 70 miligramas de glicose por decilitro de sangue. Com a visão recuperada, ela não precisa mais de óculos – nem para ler. À mesa, apesar da dieta equilibrada, delicia-se sem medo com pudim de leite e quindim. Nada, porém, se compara à felicidade de acompanhar as estripulias de Ana Carolina, a neta de 1 ano e 2 meses. Legínia agora tem fôlego. "Eu nasci de novo", diz a funcionária pública. Legínia é personagem de uma das mais arrojadas e fascinantes linhas de tratamento do diabetes tipo 2 – a intervenção cirúrgica.
A operação para conter o diabetes é diferente de qualquer outra. Ela não se destina a trocar um órgão que funciona mal por outro em boas condições, como nos transplantes. Tampouco é feita para a implantação de um corpo estranho no organismo, de modo a fazê-lo trabalhar melhor. A cirurgia do diabetes combina simplicidade e engenhosidade. Os médicos estão conseguindo, com pequenas modificações na anatomia do intestino delgado, regular a produção de insulina no pâncreas e, com isso, restaurar as taxas de glicemia aos níveis normais. Em outras palavras, eles conseguem reverter o diabetes. A cirurgia é fruto de uma constatação nova e surpreendente: a de que o diabetes é uma disfunção cujas origens ultrapassam as fronteiras do pâncreas, o órgão produtor de insulina – hormônio responsável por retirar as moléculas de glicose da circulação sanguínea e levá-las para dentro das células, onde são transformadas em energia. O diabetes surge da falta ou da ineficiência da insulina, o que leva ao acúmulo de glicose no sangue. E o que é que o intestino delgado tem a ver com isso? Tudo. Com 6,5 metros de comprimento e 4 centímetros de diâmetro, cheio de dobras e reentrâncias, o intestino delgado, além de promover a digestão e a absorção dos alimentos, funciona como uma espécie de fábrica de incretinas, a família de hormônios capaz de potencializar a secreção de insulina. Elas ajudam a baixar as taxas de glicose no sangue, sobretudo depois das refeições, quando esses níveis tendem a explodir. O bisturi entra para corrigir essas falhas e restabelecer a sintonia entre os hormônios do aparelho digestivo e a insulina.
A experiência com um dos métodos foi relatada na edição de agosto passado da revista Surgical Endoscopy, da Sociedade Americana de Cirurgiões Gastrointestinais e Endoscópicos. O autor do artigo é o cirurgião Áureo Ludovico De Paula, do Hospital de Especialidades, de Goiânia. Ele é o criador da técnica de interposição do íleo, feita por laparoscopia. A cirurgia consiste em aproximar uma parte do íleo do estômago; prevê ainda a redução de 20% do estômago, o que reduz drasticamente a produção de grelina, o hormônio do apetite. Isso leva à perda de peso e, assim, diminui a resistência à insulina. Dos 39 pacientes citados no artigo da revista americana, quase 90% ficaram completamente livres do diabetes. De cada dez, três saíram do hospital sem necessidade de nenhuma medicação antidiabética – uma cura praticamente instantânea. "Se apenas metade desses resultados puder ser repetida, teremos uma revolução no tratamento do diabetes", diz Alfredo Halpern, endocrinologista, da Universidade de São Paulo. A cirurgia tem efeito, ainda, sobre uma série de outras doenças associadas ao diabetes – hipertensão, colesterol alto e triglicérides em excesso.
Há três semanas, uma equipe de pesquisadores da Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York, esteve no Brasil para aprender a técnica criada por De Paula. Eles vão começar a testá-la nos Estados Unidos. O sucesso da experiência BRASILEIRA serviu de incentivo para que os americanos se lançassem nessa empreitada. Até então, eles não haviam tomado essa iniciativa porque, lá, os protocolos de pesquisas com seres humanos são muito mais rigorosos e demorados. Outro grupo envolvido no tratamento cirúrgico do diabetes é o coordenado pelo cirurgião José Carlos Pareja, chefe do Serviço de Cirurgia Bariátrica e Metabólica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Inspirado na técnica desenvolvida pelo médico italiano Francesco Rubino e batizado de exclusão duodenal, o método isola o duodeno e 40% do jejuno do processo digestivo. Com isso, o alimento chega menos degradado ao íleo e estimula a ação das incretinas. Até agora, Pareja operou quinze doentes. Todos tomavam injeções de insulina e antidiabéticos orais diariamente. Depois da cirurgia, os quinze se livraram das picadas, mas nenhum conseguiu abandonar a medicação por boca.
O paulista Divaldo Faria de Mello, de 46 anos, passou por essa cirurgia. Em 2003, por causa do diabetes, ele teve de amputar dois dedos do pé direito, machucados durante uma partida de futebol. O excesso de glicose no sangue impediu que as feridas se cicatrizassem. A vida de Mello pode ser dividida entre antes e depois da cirurgia. Diz ele: "Não ter de tomar injeção todos os dias e conseguir comer de tudo, até feijoada, é uma bênção".
Os médicos da Unicamp pretendem testar duas outras técnicas cirúrgicas contra o diabetes. . É provável que, num futuro não muito longínquo, vários tipos de operação convivam no catálogo de tratamentos disponíveis.
Alguns especialistas costumam alarmar-se com o que seria uma epidemia de diabetes tipo 2 já em curso no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2025 os doentes somarão 330 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, estima-se que metade das crianças negras e hispânicas nascidas em 2000 desenvolverá a doença em algum momento de sua vida. Não importa o mecanismo pelo qual o distúrbio surge, o fato é que os estímulos externos são decisivos. Em especial, a alimentação rica em gorduras e o sedentarismo. Por esse ângulo, o diabetes tipo 2 é uma doença culturalmente provocada. Vencer suas causas culturais, portanto, pode ser, para a maioria dos doentes em potencial, uma maneira menos dolorosa do que tomar picadas diárias de insulina sintética ou entrar na faca.
Reportagem de Adriana Dias Lopes e Anna Paula Buchalla
Revista Veja

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

TV GLOBO E ABDELMASSIH

Conforme publicamos em texto anterior,"POR QUE A MÍDIA SE CALA?" estamos nos perguntando até agora por que a TV GLOBO, tem ignorado completamente o caso do médico Roger Abdelmassih, 65 anos, de São Paulo, objeto há quatro meses de um inquérito policial , por suspeita de abuso sexual de pacientes.
Quando a investigação foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, no dia 9, pela repórter Lilian Cristofoletti (foto menor), nove mulheres haviam prestado depoimento contra Abdelmassih; uma semana depois, o número tinha aumentado para 33, se incluído um testemunho que estava sendo colhido na sexta-feira. A jornalista da Folha denunciou o escândalo e , fora uma breve declaração do médico ao mesmo jornal, não se tem notícias do mesmo em nenhum noticiário da Globo. O que mais chama atenção é que não há referência a nenhuma das supostas vítimas do médico, que até o momento passam de 40 mulheres, sendo duas, publicamente reveladas! Nós , particularmente, só temos tido acesso a informações sobre o caso, através da Rede Bandeirantes e Gazeta.
Até a semana passada, todas as denúncias investigadas no inquérito eram de atentado violento ao pudor, que engloba qualquer ato forçado de natureza sexual, menos estupro, definido pela lei como a penetração genital. Parte das mulheres disse ter sido assediada dentro do consultório pelo médico, que tentou beijá-las e acariciá-las à força. Reagiram, e o assédio não avançou. Outras afirmam que estavam sedadas durante o abuso e só vieram a se dar conta depois. Na quinta-feira, dia 15, uma paciente, que hoje mora em Minas Gerais, entrou em contato com o Ministério Público para fazer o que, se confirmado, configuraria a primeira denúncia de estupro. O inquérito policial trata ainda de um tipo de denúncia paralela: pacientes que acusam o médico de lhes ter proposto a utilização de material genético – óvulos e espermatozoides – que não o delas ou o de seus maridos, sem que estes soubessem, depois que as primeiras tentativas de fertilização não surtiram efeito.
Seria a extensa lista de pacientes globais que faz com que ,em lugar do "espalhafato" feito no caso Nardoni e Eloá, só tenhamos silêncio ? Tom Cavalcanti; Luisa Thomé; Carlos Alberto Nóbrega; Renan Calheiros; Pelé; Moacyr Franco; César Filho; Brito Júnior são alguns deles.
Nas página da revista 'Quem", de 23 de janeiro de 2009, é possível ver uma matéria "possívelmente " paga, pois não se realizou em 18 de janeiro de 2009, como dá a entender, mas sim, em 19 de março de 2006. Qual a razão, para neste exato momento em que o médico deveria ser primeira página de matéria policial, a revista relembrar um acontecimento social realizado há dois anos atrás?
Hoje é um dia de muita emoção para mim", dizia dr. Roger, brincando com a estrelinha concebida em sua clínica. "Me senti assim no sucesso da primeira gestação in vitro. Agradeço a Deus por tudo isso, sou instrumento Dele", afirmou o urologista e andrologista, casado há 39 anos e pai de 5 filhos. "Espero que você continue este trabalho maravilhoso que faz", disse Roberto Carlos, grande amigo do médico, que cantou no evento. "Cada vez mais vou investir em tecnologia e pesquisa", avisou dr. Roger, emendando: "Já investi milhares de dólares nas últimas duas décadas. Pesquisa básica é cara, mas fundamental. Muitas vezes perdi, mas não me arrependo. A ciência ganhou sempre e cerca de 4 000 famílias estão felizes. Essa é minha fortuna."
Parece que a "fortuna" de Roger Abdelmassih é maior do que pensamos.........manipular a Rede Globo exige um cacife alto!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

EX-FUNCIONÁRIA DA CLÍNICA DE FERTILIZAÇÃO DIZ QUE VIU MÉDICO ABUSANDO DE PACIENTE

Conforme publicamos ontem, em http://anjoseguerreiros.blogspot.com/2009/01/roger-abdelmassih-mdico-ou-monstro_21.html, a tv bandeirantes noticiou em seu jornal da noite, que uma ex-funcionária da clínica de Roger Abdelmassih, especialista em FIV (fertilização in vitro), afirmou à TV Bandeirantes ter visto por uma câmera de segurança o médico aproximando-se sexualmente de uma mulher que estava sob seus cuidados.
“Eu vi a paciente de braços abertos, ele segurando-a e abusando dela”, falou. Ela não informou se a paciente estava sedada ou não.
Conforme dissemos na postagem de ontem, a ex-funcionária, que pede para que seu nome não seja revelado, trabalhou um ano como recepcionista na clínica. Ela disse que viu o abuso do médico um pouco antes de ser demitida. “Uma outra funcionária pediu pelo amor de Deus para eu não contar o que tinha acabado de ver.”
A reportagem da Bandeirantes mostra uma foto dela (com o rosto borrado para que não seja identificada) com o uniforme de atendente e na recepção da clínica(foto acima).Para a polícia, o depoimento dela é importante por se tratar de uma testemunha. Há a expectativa de que outras pessoas que trabalharam ou que ainda trabalham na clínica se apresentem à polícia e ao MP.
Até a manhã de hoje, 45 mulheres já tinham procurado o MP, que tem encaminhando-as à Delegacia da Mulher para registrar queixa. “É o que toda vítima de crime sexual tem de fazer”, disse o promotor José Reinaldo Carneiro.
Adriano Salles Vanni, advogado do médico, renovou a reclamação de que seu cliente ainda não sabe dos nomes das mulheres que fazem as acusações, só que algumas já foram publicamente mostradas.

O CASO ISABELLA

Como não há notícias recentes sobre o caso da menina Isabella Nardoni, atirada brutalmente da janela do prédio em que seu pai, Alexandre Nardoni morava com seus dois irmãos e madrasta, resolvemos publicar alguns artigos antigos, mas que discutem temas sempre interessantes. Temos o objetivo de não permitir que um crime tão violenta caia no esquecimento e seus culpados acabem não sendo punidos.
Este texto fui publicado pela Folha Online em 17 de abril de 2008
É assinado por Hélio Schwartsman, 42, editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.



Relutei o quanto pude em comentar o caso do assassinato da pequena Isabella Nardoni. Não importa quem seja o autor do crime, o resultado é o mesmo: uma tragédia pessoal e familiar. Como há um homicídio a esclarecer, é inevitável que as autoridades policiais escarafunchem todos os aspectos da história, mas isso não significa que o grande público deva participar de tudo e acompanhar "on line" cada novo desdobramento das investigações. Até para que a família possa viver o luto, seria necessário um certo distanciamento. Receio, entretanto, que os limites do decoro tenham sido quebrados pela perversa combinação de uma imprensa ávida por sensacionalismo com declarações irresponsáveis de autoridades policiais e judiciárias. Tudo isso, é claro, motivado pelo desejo das pessoas de saber tudo a respeito desse macabro episódio.
É justamente sobre a natureza desse desejo que gostaria de lançar algumas observações na coluna de hoje. Por que o assassinato de crianças nos toca mais do que homicídios envolvendo adultos? Por que a simples possibilidade de o pai ser um dos suspeitos transforma uma ocorrência policial em comoção nacional?
Parte da resposta está na biologia. Bebês e crianças comovem e mobilizam nossos instintos de cuidadores. Estes serezinhos foram "desenhados" com características que exploram os vieses sensórios de seus pais e de adultos em geral. Tais traços, especialmente os faciais, são há décadas conhecidos de artistas como Walt Disney. O que torna Mickey Mouse fofinho e não repulsivo como a maioria dos murídeos? Como observa Marc Hauser em "Moral Minds", "a cabeça muito maior do que o corpo e os olhos grandes em relação ao rosto (...) são como doces visuais, irresistíveis para nossos olhos".
A circuitaria cerebral responsável por esse, digamos, "amor às crianças" é comum a vários mamíferos. Também julgamos fofinhos filhotes de cães, gatos e até de animais perigosos como ursos (lembrem-se de Knut) e tigres. A adoção inter-espécies não é um fenômeno de todo incomum. Cadelas, lobas e gatas freqüentemente criam filhotes abandonados de outros bichos. Há até dois casos de bebês humanos que caíram em jaulas de gorilas em zôos americanos e foram socorridos por fêmeas dessa espécie.
Só que as coisas são um pouco mais complicadas. Apenas achar um bebê engraçadinho não é em absoluto garantia de que cuidaremos bem dele. A natureza, à parte algumas idealizações românticas de ecologistas empedernidos, é cruel. Não foram raras as situações do passado darwiniano nas quais tínhamos várias crianças fofinhas para cuidar e pouco ou nenhum recurso. Daí que nós e outras espécies desenvolvemos o hábito, hoje condenável, de sacrificar os bebês que nos parecessem mais fracos (infanticídio) ou que portassem defeitos congênitos (eugenia).
A biologia é uma eterna corrida armamentista entre indivíduos. Para espécies sociais como a nossa, o jogo se dá num ambiente de cooperação, mas isso não impede que os interesses de homens e mulheres, pais e filhos, irmãos e irmãs divirjam. A disputa se dá então no nível da "sintonia fina", e com as regras ditadas por "gargalos" ambientais.
Enquanto nossos bebês nasciam aos borbotões e morriam em proporções equivalentes --situação que perdurou durante 99,9% de nossa história evolutiva--, víamos o óbito de filhos como um fenômeno, senão natural, pelo menos esperado. É só sob condições ótimas que o amor e a dedicação paternos podem prosperar com maior força.
O historiador francês Philippe Ariès (1914-1984), autor de "A Criança e a Vida Familiar sob o Antigo Regime" (1960), mostra bem as mudanças culturais que estão por trás do amor que hoje sentimos pelos nossos filhos. Já tratei do assunto numa coluna antiga, mas retomo aqui o argumento.
A idéia de que os filhos devem ser amados é antes de mais nada uma criação recente. Durante a Idade Média era menos do que uma abstração. Em sua configuração moderna, o conceito só surge na Europa nos séculos 16 e 17 e entre os mais ricos. Ele se dissemina pelos outros estratos apenas em finais do século 19 e início do 20 --quando as taxas de fecundidade e mortalidade infantil baixam significativamente.
É verdade que os trabalhos de Ariès sofreram fortes críticas, algumas convincentes. Poucos, porém, contestam a tese central de que a infância no "ancien régime" era vista de um modo muito diverso do de hoje.
Uma criança não passava de um projeto de adulto, só que com mais desvantagens. As últimas características que esses serezinhos desenvolviam eram a razão e a lógica, o que os tornava verdadeiros débeis mentais à espera do sopro da inteligência.
A noção de que pudesse haver alguma especificidade da infância soaria exótica. Pais não viam, por exemplo, nenhum inconveniente em fazer sexo diante de seus filhos de sete, oito anos em atitude que horrorizaria os educadores de hoje. Para Ariès, a função da família no antigo regime era basicamente a de perpetuar o patrimônio e os costumes. O amor aos filhos, tornado central para a família contemporânea, era perfeitamente dispensável então. Ele só vai se desenvolver plenamente com o advento da família burguesa e sob o tempero de puericultores como Rousseau, Pestalozzi e, mais recentemente, Montessori e Piaget, sem mencionar os infindáveis autores de manuais que pretendem trazer o "modo de usar" de filhos e enteados.
À luz dessas reflexões, o assassinato de uma garotinha de apenas cinco anos desponta como duplamente horroroso. Contraria não apenas a disposição biológica inata de preservar as crianças como também o mais recente movimento cultural de valorização da infância. O fato de o pai, pelas circunstâncias do crime, figurar na lista de suspeitos é apenas o ingrediente que faltava para os chamados abutres da imprensa se lambuzarem no caso como moscas no mel. Não por acaso, são os mesmos componentes que transformaram o desaparecimento da jovem Madeleine McCann de uma praia do Algarve em "hit" mundial.
Voltando à teoria, críticos da abordagem sociobiológica se queixam de que essa visão transforma nossos sentimentos mais nobres em mera análise probabilística. É como se nossos corações fossem máquinas de calcular riscos, a partir dos quais decidiríamos atuarialmente quem deve ou não ser amado. É uma interpretação, reconheço. Mas, o bonito no darwinismo é justamente que não faz muita diferença se os comportamentos adotados pelos indivíduos são genuínos ou afetados. O resultado tende a ser mais ou menos o mesmo. A intencionalidade e o livre-arbítrio talvez sejam conceitos biologicamente menos reais do que o direito e a teologia gostariam.
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