terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A força da arte na conscientização sobre os danos do trabalho infantil

Dois Josés. Dois mineiros. E uma história que cruzou o tempo. O primeiro nasceu em 1942, com o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), personificando aqueles que perdem, mas resistem. É o protagonista de um dos mais famosos versos da literatura brasileira: “E agora, José?”

O segundo José veio ao mundo neste ano, pelas mãos do estudante Mateus Augusto dos Santos. Aos 15, o morador da área rural de Espera Feliz – município de 24 mil habitantes distante 272 km de Itabira, cidade natal de Drummond – escreveu o poema “Rumo à Colheita” (confira ao lado) durante uma atividade na escola. A ideia era questionar as consequências do trabalho na infância.

Seu talento acaba de ser reconhecido. A escola do campo na qual concluiu o 9o ano atua em parceria com o Projeto MPT na Escola, que leva às salas de aula e às equipes escolares do país formações e debates sobre o trabalho infantil e os direitos da infância garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Filho dos meeiros Aparecida e Pedro, separados, ambos trabalhadores da lavoura de café sem oportunidades de finalizar os estudos, Mateus ganhou o primeiro lugar na categoria poesia.

Pela primeira vez, a premiação teve caráter nacional. Colégios representaram as regiões Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com projetos artísticos que, além da poesia, produziram esquetes teatrais, músicas e pinturas. Duas escolas do Ceará e duas de Minas Gerais (uma delas a espera-felizense Escola Municipal Álvaro de Sá Barbosa, onde Mateus estuda) foram contempladas com R$ 50 mil cada, valor dividido entre autores, escolas, coordenadores municipais do projeto e educadores. Ao todo, 32 jurados participaram da etapa nacional do prêmio, sendo oito por categoria. Na modalidade música, a equipe vencedora foi a da Escola Municipal Maria Isabel Queiroz, de Patrocínio (MG).

“Eu escrevi sem conhecer o poema do Carlos Drummond de Andrade, que é tão bonito! Tentei explicar o que se passa na vida de quem tem de trabalhar e deixar a escola”, conta o jovem poeta, incentivado pelos professores de história e português a se arriscar nas letras. Para a secretária municipal de Educação de Espera Feliz, Adriana Muller Dimas e Souza, o orgulho é grande, não só pelo prêmio, mas por tudo o que ele agrega à comunidade.

“O MPT na Escola é um projeto que descortina horizontes”, ressalta Adriana. “Temos a intenção de inscrever todas as escolas da cidade no projeto, para que realizem atividades e capacitações durante o ano letivo, como já fazemos em seis delas. Além de esclarecer os riscos que o trabalho infantil causa para o desenvolvimento físico e psicológico, as famílias também participam do processo, tornam-se mais cautelosas em relação aos mitos relacionados ao assunto.”

Pedagogia da esperança

“É preciso destacar a quantidade e a qualidade dos trabalhos inscritos na etapa nacional, principalmente nos estados do Ceará, com 208, Minas Gerais, com 93, Paraná com 49 e São Paulo, com 46”, afirma Antonio de Oliveira Lima, procurador do Trabalho no Ceará e idealizador do MPT na Escola. A melhor pintura foi de uma aluna da Escola João Hudson Saraiva, do município de Uruburetama (CE). A estudante Livia Barroso criou o quadro “As duas faces da infância” .

“Fico muito feliz ao sentir o engajamento de toda a comunidade escolar no processo”, destaca Lima, satisfeito com o elevado número de pessoas envolvidas desde as formações até a fase final da premiação. Uma das visitas especiais, ele comenta, aconteceu no município cearense de Aracati, vencedor na modalidade esquete teatral. A peça João e Maria foi criada e encenada na Escola de Ensino Fundamental Antonieta Cals, de Fortaleza (CE):

Apaixonado por futebol, Mateus, flamenguista de sorriso tímido, tem plena consciência de que o valor do poema não é só financeiro. “Lá em casa, minha mãe ensinou que eu e meus irmãos precisávamos estudar. O trabalho não pode atrapalhar nunca os estudos”, contou ao Promenino, coincidentemente no dia de sua formatura do 9o ano.

“Gosto de escrever, mas quero mesmo é ser piloto de helicóptero. Sempre achei bonito e paro para ver quando sobrevoam a lavoura, sabe? Acabei de fazer minha primeira viagem de avião [ao receber a premiação, no Ceará] e foi legal demais ver tudo lá de cima. Não tenho nenhum medo, não.”

Quem não tem medo de voar, Mateus, pode ser tudo o que quiser.

Fonte: Promenino Fundação Telefônica
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